domingo, 22 de novembro de 2020

O tempo passa

As minhas netas estão cá a passar o fim-de-semana, mas alguma coisa mudou. Ainda há uns meses, vinham para o escritório e, em voz baixa, brincavam aos colégios, o que envolvia multiplicidade de funções e de máscaras sociais. Ora mães, ora alunas, ora professoras, ora empregadas, ora directoras, ora discutindo em que turma a filha deveria ficar, ora fazendo avisos sérios sobre que avaliações daquelas não seriam permitidas. Passavam horas assim, usando a secretária da avó, sem me incomodarem, sem perceberem o prazer que eu tinha em observá-las pelo canto do olho. Agora, esse jogo acabou. Foi levado pela trama das conversas secretas, dos risinhos sobre assuntos de natureza iniciática, pelas séries da Netflix ou pelos vídeos do Youtube. A mais velha fica a olhar para o infinito e não tarda a mais nova segue-lhe o caminho nessa procura do que está para além do que é visível. Isto prova que os dias passam, e com eles passam as semanas, os meses e os anos. Foi isso que pensei há pouco ao ver-me ao espelho. Não senti náusea ou repugnância pelo que via, apenas a constatação de que nós insistimos em fazer o tempo rodar e ele vinga-se. Há coisas, porém, que têm uma natureza eterna. O mau gosto, por exemplo. Ontem, saí à noite e pela primeira vez, este ano, tive de enfrentar as iluminações natalícias. Em duas rotundas o Menino Jesus continua a ser assado numas brasas vermelhas, sem que nenhum vereador municipal se apiede e O retire daquela inominável situação. Quanto às cornucópias da Sá Carneiro, encimadas por um crescente e uma estrela, nem sei o que possa dizer. Talvez sejam símbolos metafísicos cuja hermenêutica me escapa. A ignorância é um belo e aprazível lugar para viver.

2 comentários:

  1. Ainda hoje pensei o mesmo de uns enfeites natalícios, que excesso...nestas coisas gosto do mais simples possível, mas quando o fazemos, ficamos numa má imitação dos nórdicos, enfim...
    ~CC~

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    1. São "tradições" importadas. Somos especialistas a importar tradições e a esquecer as nossas. Acho que não há nada a fazer.

      HV

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