quinta-feira, 12 de novembro de 2020

O peso das coisas subtis

Há matérias tão subtis que esmagam quem com elas tem de contactar por obrigação ou dever irremissível. Não se trata desse peso que resulta da acção da gravidade sobre os corpos, mas de um outro que advém de certas coisas se furtarem aos efeitos gravíticos e se abaterem sobre espíritos preparados para a trivialidade e não para subtilezas metafísicas. Isto disse-me há pouco o meu amigo Rogélio. E continuou a diatribe, embora eu já soubesse aonde ela ia dar. Numa época onde se propagandeia que tudo é para todos, o que acontece é esmagar essas pobres almas – transcrevo as palavras dele – com subtilezas para as quais não têm vocação nem o mundo lhas exige. Isto faz dos nossos tempos uma era de infelicidade, pois a única infelicidade que existe é arcar com o peso de coisas que não foram feitas para nós. Enquanto falava, ia fumando a sua inevitável cigarrilha. Como costuma acontecer, ri-me e disse-lhe que a teoria dele tinha um aspecto que que me agradava de sobremaneira. Desligava a infelicidade do sentimento e dos afectos, e isso é uma enorme vantagem num mundo onde não há cão nem gato que não fale de afectos. Foi com esta conversa que me distraí e não vi chegar a noite. Agora está tudo escuro, na rua as pessoas parecem almas penadas, e as luzes dos estabelecimentos e da iluminação pública semeiam irrealidade sobre a minha irrealidade, sobre mim, um dos pobres que se sentem esmagados pelo peso metafísico das coisas subtis. Hoje não deveria ter escrito uma linha.

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