segunda-feira, 9 de novembro de 2020

A beleza, de novo

Os campos de jogos da escola ao lado estão cheios de vida. Ao sol, camisolas de múltiplas cores cintilam e, como anjos travessos, as bolas sobem e descem, partem de mãos exaustas para serem recebidas por outras, ávidas, desejosas de tocar no anjo, para logo se cansarem e o arremessarem aos ares. Então ele sobe em turbilhão, quase que se suspende naquele ponto onde as forças da gravidade e do arremesso se equilibram, para logo cair. Um raio de sol fúlgido perfura a tarde e os olhos vislumbram por instantes essa beleza infinita, que, de tão bela, seria para nós, seres decaídos, mortal. Não há coisa mais perigosa do que a beleza, não pela perversão que possa conter, mas pelo bem que a habita. Quem suportaria tal bondade sem que o coração sucumbisse? Olho para o que escrevi e penso que as segundas-feiras não me fazem bem. As acácias amarelecem e no friso das orquídeas há uma, nova em casa, exuberante na floração malva. As outras entregam-se a uma plácida hibernação, onde as folhas verdes descansam dos dias em que tinham de carregar sobre os seus ombros a beleza com que incendiavam os olhares dos circunstantes. Os campos já estão vazios, o sol declina e eu oiço o Stabat Mater, de Pergolesi. Stabat mater dolorosa… E talvez seja esta a beleza possível. Ou não.

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