São quase cinco da tarde. Fez-se silêncio, depois dos adolescentes que frequentam o centro de línguas se terem evaporado. Um sol outoniço mostra um sorriso triste nas paredes da escola e nas copas dos cedros e pinheiros do pequeno bosque que por lá existe. As sombras, com as suas garras de seda fria, avançam sem pudor e cobrem já uma vasta superfície. Há pouco quis usar a palavra estaleiros. Não me ocorria, tentava ludibriar a memória, estender-lhe armadilhas, mas ela ganhava sempre. Desisti e googlei sítio onde se constroem navios. Gentil e afável, o Google devolveu-me estaleiro. Fiquei-lhe grato, embora a situação não fosse embaraçosa. Por vezes, acontece-me em público. O nome de um livro ou de um autor, e a minha mente é uma cisterna vazia. Comecei a evitar esse tipo de exibições. É como se gaguejasse da memória e isso é sempre perturbador e desconcertante para quem assiste. As tílias desnudaram-se por completo, e as folhas dos jacarandás começam a amarelecer. Na Sá Carneiro, os carros deslizam devagar, desolados, enquanto alguns mascarados enfrentam o Carnaval. Não tarda, e as iluminações natalícias acender-se-ão para acolher a noite com uma névoa despudorada de tristeza. Se tivesse cigarros, fumaria um. Não tenho.
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