Escrever ao crepúsculo deveria dar uma tonalidade romântica ao discurso, pensei, enquanto olhava para o céu cinzento do anoitecer. Quando penso nos grandes românticos, é sempre em paisagens crepusculares que os vejo chegar. Depois, o meu pensamento deu um salto, e vi-me internado num hospício. Tinha enlouquecido e, para defesa da sociedade, fora compulsivamente internado. Uma nova acrobacia e esqueço-me dos românticos e da minha loucura, e os meus olhos fixam-se na mulher que passa na praceta. Perscruto-lhe o rosto sob a máscara azul. Os olhos são promissores, belos e profundos, há neles sombras douradas sobre florescências de verde. Poderia apaixonar-me por aqueles olhos. Oiço-me dizer: quais olhos? Os daquela mulher, respondo. Não sejas idiota, ninguém, onde estás, consegue ver os olhos de quem passa lá em baixo. Comecei a pensar que talvez já estivesse internado no manicómio. Tenho delírios e visões, falo comigo mesmo. À minha frente, uma reprodução de um quadro de Caspar David Friedrich, pintado nos anos trinta do século XIX. Um homem caminha, perto da floresta, de cabeça curvada ao crepúsculo. Vai pensativo. Aquela figura não me é estranha e, de súbito, sinto uma grande vontade de falar com ele. Entro pelo quadro e persigo-o. Chamo-o, mas ele finge não me ouvir. Aproximo-me e torno a chamá-lo, ele volta-se para mim e descubro que aquele homem sou eu perdido num anoitecer de um século acabado há muito.
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