Há uns tempos a esta parte que sinto uma distorção na realidade. Chego a sexta-feira após o almoço e aquilo que se apresente à consciência não é o fim-de-semana prestes a começar, mas uma sensação de que ele está quase a acabar. Isto não vem acompanhado por qualquer angústia, apenas pelo sentimento de que alguma anomalia existe ou na percepção do tempo ou no próprio tempo. A minha imaginação, coisa pouco confiável visto ser dada a delírios frequentes, diz que há, em qualquer parte, um buraco por onde o tempo está a ser sugado com voracidade. Dentro desse bocarra haverá um aspirador de grande potência que sorve as partículas do tempo a uma velocidade inabitual. No entanto, o melhor é o leitor não dar crédito a qualquer palavra que este narrador diga sobre este assunto. Delírios e hipérboles são a sua especialidade. A sexta-feira continua com vinte e quatro horas, cada hora com sessenta minutos e cada minuto com sessenta segundos. Esta é a realidade, mas o problema é que toda a realidade, nos dias que correm, parece sofrer de uma qualquer deformação, de um qualquer aleijão. Por exemplo, o meu telemóvel continua a enviar-me sinais. De súbito, tive uma iluminação. É por ele que o tempo está a ser sugado. As partículas temporais entram nele e são enviadas, de imediato, para o grande buraco. Um telemóvel não é um telemóvel, mas um terminal do grande aspirador de tempo. Agora vou tomar a medicação.
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