quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Uma parábola

Sento-me e distribuo o pão pelos pobres. Cada um traz três pratos. Não pense o leitor que encho cada um dos que se apresentam à minha frente. Aquilo que cada pedinte leva cabe num único prato e as mais das vezes sobra. A caridade, porém, deve ser inovadora e abrir o leque das distribuições, pois vendo assim tanta louça à frente, o esfomeado, apesar de comer o mesmo, pensa que come mais, não tardando a comer menos, convencido de que quanto mais pratos lhe derem, maior a ração. Também o doador caridoso fica com a alma mais cheia. Chega a casa e diz à mulher, olha hoje dei três pratos de pão a cada pedinte que me cabe cuidar. Estou muito contente, a minha consciência transborda e o meu coração exulta. Ela, a mulher, pergunta-lhe, então, se endoideceu. Ele não sabe o que lhe responder. Desde quando é que te dedicas à caridade? Ele olha-a de viés e vai ver televisão. Distribuir o pão de um prato por três, multiplicado por dezenas de candidatos é um trabalho árduo e está exausto, mas orgulhoso com a sabedoria dos chefes da caridade. Os pedintes iam agora poder reflectir sobre que pão tinham mais dificuldade em comer. Bastava-lhes apontar um dos pratos e logo uma bateria de análises lhes diria a estratégia que deveriam seguir para o deglutir. Toda a gente andava feliz. Também eu estava muito feliz, mas quando acordei deste sonho pensei por que razão haveria de sonhar coisas tão idiotas. Talvez esteja na tua natureza, disse-me o homúnculo que habita na caverna da minha consciência. Pela primeira vez, estou de acordo com ele.

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