Se os antigos não se afrontavam com a representação da nudez humana, a expansão do cristianismo fez cair uma censura feroz sobre o corpo nu. A primeira pintura moderna que representa corpos despidos é um Adão e Eva de Jan van Eyck, datado de 1432. Existe, porém, um desenho sobre pergaminho, de 1425, da autoria de Antonio Pisanello, onde se vêem várias representações de um modelo feminino despido. Estamos, com estes pintores, na aurora de um novo mundo. Um mundo onde os indivíduos afirmam a sua subjectividade, ao mesmo tempo que, nas telas, se vão despindo. É no seu livro sobre pintura, de 1435, que Leon Battista Alberti dá um sagaz conselho. Os pintores devem desenhar pessoas despidas, pois só compreendendo o corpo nu é possível pintar correctamente um corpo com roupas. Em Alberti, a nudez ainda é meramente instrumental, mas ela vai conquistando espaço na representação humana. Nos dias que correm, a nudez tornou-se uma trivialidade. Resta saber se não se perdeu alguma coisa com isso. Não me refiro ao pudor, embora este nunca seja desprezível, mas ao espanto que um corpo nu poderia provocar num ambiente onde a representação da nudez estivesse ausente. Estas palavras constam de um dos cadernos de Eduína, dos quais sou involuntário herdeiro. A seguir ao texto existem diversos desenhos de um corpo humano que se vai vestindo. São esboços a lápis, que começam, de forma muito diluída, a nudez implicaria, segundo a autora, uma existência difusa, e terminam em traços vigorosos, como se um corpo só o fosse plenamente se estivesse vestido.
Cristo na cruz (tal como o menino Jesus nas palhas), exibem-se nus desde sempre. Parece-me que ninguém se escandaliza, ou escandalizou, com o belo corpo de Cristo exposto, quase nu, mas crucificado e morto. Talvez devêssemos prestar mais atenção ao autorretrato de Lucian Freud, o homem nu (e indecoroso) que morre de pé como uma velha árvore de fruto, perdida no descampado da sua verdade.
ResponderEliminarÉ plausível pensar que a exibição da nudez, para além da representação religiosa, iniciada com a Modernidade, onde o corpo se expõe, tenha conduzido a representações distorcidas do corpo nas diversas vanguardas do século XX (por exemplo, no cubismo, no expressionismo, no surrealismo), como se não fosse possível suportar a luz que o corpo emanava. Talvez isso representasse, de forma inconsciente, uma revolta contra a exposição do corpo nu.
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