Hoje pareço um bombista suicida com um aparelho preso ao pescoço. A finalidade é espiar-me o coração para detectar anomalias. Por vezes, ele decide dançar fora do ritmo programado. Não que entre em grandes delírios, mas o médico acha por bem submeter-me a este tipo de big brother. Aliás, a coisa começou hoje com um ecocardiograma, onde um operador de uma máquina anda com uma espécie de câmara e, enquanto observa, o filme no monitor, faz cortes e medições. Isto entrou-me pela manhã dentro e, de alguma forma, interferiu na trivialidade do meu dia. Apesar de já se notar o crescimento das horas de luz, chegámos ao momento do crepúsculo. Uma luz de cinza cai sobre a cidade. Anuncia a noite. São ainda muitas as coisas que me esperam. Talvez fiquem registadas no aparelho de videovigilância cardíaca. Nunca se sabe.
Longe vão os tempos em que um João Semana encostava o ouvido ao coração. E é sabido que continua a ser o método primordial na despistarem de problemas cardíacos (embora com um intermediário, o estetoscópio). Por vezes até nos esquecemos de ouvir, neste mundo dominado pela imagem.
ResponderEliminarNão me lembro de ser auscultado por um cardiologista e frequento essa estimável seita há muito tempo. É tudo com recurso a meios auxiliares de diagnóstico. Se eles têm intuições, não as revelam. Passam exames. Imagino que seja o mais seguro.
EliminarSuponho que seja o mais seguro para eles. Como é que podemos ouvir um concerto com meios auxiliares de diagnóstico? Eu preciso de ouvir primeiro os corações dos meus pacientes, conheço alguns de tenra idade, vou seguindo metronomicamente o seu ritmo. Sei quando está tudo bem, ou quando preciso de mais, para “ouvir” melhor. Se calhar, todos os aspirantes a cardiologia, deveriam primeiro ouvir Bach.
EliminarNunca tinha associado o coração a um instrumento musical. Fiquei sempre preso à metáfora mecânica. Só, ultimamente, com as arritmias, o olhei de uma forma mais musical, mas mesmo assim não como um criador de música, mas como uma bailarino que, por vezes, se desencontra do ritmo da música que o envolve. Mas, claro, pode ser visto como um instrumento musical.
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