sábado, 28 de janeiro de 2023

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Falham-me aventuras para vir contar aqui, proezas que, se somadas, haveriam de constituir uma gesta mais elevada que a dos romances de cavalaria. Limitei-me a ir às compras, a deambular de prateleira em prateleira. Notei  que os vinhos se transtornaram com a ideia de que existe inflação. Não apenas acompanham a senhora no seu processo de inflar, como a ultrapassaram largamente, com preços a aumentar entre vinte e cinco e cinquenta porcento. Há casos ainda mais exuberantes, tal a presunção. Talvez fosse por coisas destas que D. Quixote confundia moinhos com gigantes. Diante de mim tenho o romance Aldeia das Águias, de Guedes de Amorim. Faz parte daqueles livros que vou comprando em alfarrabistas online. Por norma, são de escritores portugueses que ninguém lê, que poucas pessoas sabem que existiram e que entraram mansamente no território do esquecimento. Guedes de Amorim, de que apenas li Morfina, faz parte desse imenso grupo de esquecidos do público e abandonados pelos leitores. Ele teve-os, por certo. É uma personagem curiosa, pois começa no cristianismo, no qual terá sido educado, passa pelo agnosticismo e, como filho pródigo, volta à casa paterna, tendo-se tornado franciscano e vivido em conformidade com o ideal de S. Francisco, sobre o qual escreveu uma obra. O que me interessa, todavia, é aquilo que encontrei dentro do livro de 1939, publicado pela Editorial Minerva. E o que encontrei foi um postal dirigido a um certo Exmº. Snr. Dr., imagino que seja o proprietário original do livro, que vivia na rua do Conde Redondo, em Lisboa. Omito o número e o andar. Era um postal publicitário dos Laboratórios Jaba, os quais terão sido vendidos já neste milénio a um grupo italiano. Num dos lados, publicita-se a Nutricina. Quem estivesse com dificuldade de ganhar corpo e aumentar de peso, já sabia, tinha ali um precioso auxiliar composto com suco de carne, oxihemoglobina e glicerofosfatos. Se o problema, porém, não fosse a falta de peso, mas perturbações do sistema nervoso, bastava olhar para o verso do postal e encontrava a solução à base de passiflora incarnata, salix alba e crataegus oxyacantha, que é como quem diz flor-da-paixão, salgueiro branco e pilriteiro, tudo com o extraordinário nome comercial de Calmoflorina. A publicidade a este produto era acompanhada com uma colecção de opiniões de médicos, apenas identificados pelas iniciais, que se concentravam em Lisboa, havendo apenas um que viveria desterrado em Algés. Das cinco opiniões clínicas, uma delas tinha um sabor patriótico, Tenho receitado freqüentes (naqueles dias usava-se o trema) vezes a CALMOFLORINA. É um produto que substitui com agrado o seu congénere estrangeiro. Portanto, era uma questão de prazer, de tornar a coisa agradável. A mais extraordinária, porém, é a última: Experimentei a CALMOFLORINA em minha mulher e fiquei absolutamente satisfeito com os resultados obtidos. Pena que não se tivesse dignado informar quais os resultados que tanto o satisfizeram, mas não se pode saber de tudo o que se passa na vida das pessoas. Uma pesquisa na internet conduziu-me à Ephemera, de Pacheco Pereira, onde encontrei uma colecção notável de mata-borrões publicitários a estes e a outros produtos do mesmo laboratório. O espírito de uma época resumidos em meia-dúzia de imagens publicitárias.

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