Está um sábado cinzento e preguiçoso. Acabei por me solidarizar com ele. Também estou acinzentado e entrego-me ao culto dessa deusa menor que é a preguiça. Não sou como o genro do senhor Marx que lhe fez um elogio em forma de ensaio. Prefiro entregar-me a ela do que encomiá-la. Faço-o com moderação, como se fosse um discípulo de Aristóteles. Um pensador católico alemão, Josef Pieper, parece discordar da transformação da pobre preguiça em pecado capital. Argumenta que a preguiça está longe de ser a mesma coisa do que a velha acédia ou acídia. Haveria no facto uma subversão teológica e o dobrar do joelho à ordem da moral capitalista. Para os gregos da Antiguidade Clássica, o ócio não é pai de todos os vícios, mas a possibilidade da virtude, isto é, da especulação filosófica, que também era científica, e tinha uma dimensão prática. Se se pensar nos sete pecados capitais, talvez seja possível ver na sua interpretação um percurso que não será desinteressante. Em primeiro lugar, seriam revoltas contra a ordem divina das coisas, uma negação dessa ordem consumada nas virtudes e uma queda na desordem do próprio ser, uma queda fruto de uma decisão subjectiva. Num segundo tempo, estas condutas viciosas seriam defeitos do carácter. Uma falha educativa, digamos assim. E hoje? Porventura, serão patologias, muito provavelmente de ordem fisiológica ou psicofisiológica. O que é curioso neste percurso, caso ele não seja meramente imaginário, é a diluição da liberdade do indivíduo. De início, a responsabilidade estava na sua liberdade, nas escolhas que fazia. Depois, na dos educadores que não lhe souberam formar o carácter. Por fim, numa desordem orgânica de que ninguém é responsável e da qual todos são vítimas. Originalmente, o objectivo seria devolver a liberdade que se tinha corrompido. Agora, trata-se de restaurar a saúde de um organismo deficiente que empurra o indivíduo para gula, a inveja, a avareza, a ira, a luxúria, a soberba e para a suave e doce preguiça dos sábados cinzentos.
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