sábado, 7 de janeiro de 2023

Propriedade

As festividades renderam-me um acréscimo de novecentos gramas, segundo informação fidedigna da balança, que só a deu depois de pisada. Não sei por que se submete ela a tal humilhação. Imagino que a balança seja já um dispositivo obsoleto ou a caminho da obsolescência. Deveria bastar uma câmara para calcular o peso. Passava-se sob ela e num monitor aparecia à informação. Recordo-me bem dos tempos que não havia balanças em casa. As pesagens eram feitas na farmácia. Depois, as balanças democratizaram-se para desassossego dos pesados, pois neste tema vale mais ser ligeiro do que pesado. Tem estado um verdadeiro dia de Inverno. Chuva, frio, embora não haja vento. Nas ruas, as pessoas caminham com caras invernais, onde resplandece o incómodo climático. Não me queixo, pois antes assim do que a ominosa canícula que, por aqui, vai, muitas vezes, de Maio a Outubro. Ao arrumar uns livros, encontrei um de Claude Lévi-Strauss, Mito e Significado. Tem a uma assinatura de posse, a minha, o local de compra e a data, precisamente 2 de Fevereiro de 1987. Em tempos, fazia este tipo de declaração de posse, mas passou-me. Talvez tenha compreendido que, na verdade, nada possuímos. Somos apenas fiéis depositários de certos bens, que depois irão encontrar, caso encontrem, outros fiéis depositários. A ideia de propriedade contém em si uma certa hübrys. Como é que seres transitórios se arrogam a dizer que algo lhes é próprio, se nem a sua vida é propriedade sua. Isto não significa que os bens devem ser comunais. Significa apenas que aquilo que designamos como nosso é apenas uma coisa que está sob o nosso cuidado e, como compensação, podemos usufruí-la. Por exemplo, as balanças que teimamos em pisar para que elas nos insultem com o peso que devolvem.

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