Frio e sol. De manhã, estava um frio cortante, ainda por cima animado pelo vento norte. O sol, porém, dava – ainda dá – um sinal de que o Inverno não será eterno. A luz fazia cintilar as folhas das árvores, daquelas que não foram despidas pela viagem das estações. O pequeno bosque da escola aqui ao lado é composto apenas por árvores de folhas persistentes. Olho-o e sinto que poderia ser o sinal de uma grande floresta, talvez de alguma que, em tempos muito recuados, por aqui tenha existido. Tanto quanto me lembro, estes terrenos eram campos com oliveiras e figueiras, numa consociação que terá sido o cuidado de muitas gerações. A pequena vila foi durante muito tempo limitada por muralhas imaginárias, pois as reais, construídas ou reconstruídas no tempo de D. Fernando, caíram no terramoto de 1755 e, no início do século XIX, certamente por falta de dinheiros para as reerguer, os escombros foram removidos. Elas, porém, continuaram a existir na imaginação dos habitantes durante mais de um século. Quebrado o sortilégio, a vila transformada em cidade, como se tornou moda a certa altura, cresceu para os terrenos agrícolas, com novas urbanizações que acabaram por liquidar, em termos de ambiência, o velho centro histórico. É no famoso livro de Paul Hazard, A Crise da Consciência Europeia: 1680-1715, que encontrei uma citação de Paul Valéry, que retrata o tipo de consciência que permitiu ultrapassar os limites imaginários das velhas muralhas: O novo, que é, contudo, o transitório por essência, é para nós uma qualidade tão eminente, que a sua ausência nos corrompe todas as outras, e a sua presença as substitui. À custa da nulidade, do desprezo, do tédio, constrangemo-nos a ser sempre mais avançados nas artes, nos usos, nas políticas e nas ideias, e preparámo-nos para só apreciar o espanto e o efeito instantâneo do choque. Foi essa busca do novo que rasgou as paredes caídas e permitiu que o simulacro do mundo urbano invadisse a propriedade rural, como se esta fosse uma afronta ao orgulho dos novos citadinos. Como compensação, talvez como salvação, todos nós continuamos os mesmos provincianos de sempre, presos a uma vida lenta, sem acreditar nas vanguardas que trazem as novidades, seja nas artes, nos usos, nas políticas ou nas ideias. Haja sol para nos passearmos nas manhãs frias de Inverno e isso bastará.
O novo não me entusiasma nada. Na maior parte das vezes resulta bastante feio e inestético. Vivendo no campo, construí o meu não-lugar, ou seja, gosto das novidades antigas. Talvez o provincianismo, nos dias de hoje, acabe por ser a massificação, o consumo e a banalidade dos desejos, que também engoliu a intocável província. Ou seja, uma civilização ao contrário e sem critério. Acho que vou ver passar o asteróide.
ResponderEliminarAcabei de ler isto: "Um asteróide, de seu nome 2023 BU, atingiu o ponto mais perto da Terra pouco depois da meia-noite desta sexta-feira." Ora, eu li às 21:22, no Público, o artigo foi colocado online às 18:46. Isto significa que, afinal, o passado fica no futuro e que sempre podemos viajar no tempo.
ResponderEliminarBrilhante. Afinal não perdi o alfa-pendular para os próximos 700 anos.
ResponderEliminarFiquei aqui a pensar em dois filmes que tenho de rever: Solaris e 2046.
EliminarO Solaris revi há pouco tempo, o 2046 nunca vi. O Filmin, porém, têm-no em catálogo. Um dia destes vejo.
EliminarTenho esses filmes em caixas de autor. Do Tarkovsky são seis, belíssimos; do Wong Kar-Wai, dois: Disponível para Amar e 2046, embora depois tenha comprado tudo o que consegui, realizado por ele.
EliminarVou ter de mudar os meus hábitos de cinema.
Os do Tarkovsky tenho em DVD, os do Wong Kar-Wai, estão no Filmin, que é uma plataforma que tem coisas interessantes, entre elas os filmes do Tarkovsky.
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