Passei o dia tão mergulhado na realidade que nem dei pela noite chegar. A realidade, ao contrário do que muitos pensam, tem um poder absorvente que pode ser letal. Por norma, as pessoas criticam o devaneio, a fuga da realidade. Contudo, as artes do devaneio e da fuga são apenas respostas ao peso obsessivo da realidade. Quando nos submetemos de corpo e alma a ela, submetemo-nos ao império das coisas. Das coisas? Sim, das coisas. Realidade deriva de real. Este significa o que existe de verdade, o que não é imaginário. Curvarmo-nos à realidade seria então uma forma de submissão ao verdadeiro. A este opor-se-ia aquilo que é imaginário, isto é, o que está no fundamento das artes do devaneio e da fuga. O que esconde, porém, a palavra real? A sua raiz está no latim res, que significa coisa. Submetermo-nos à realidade é uma forma de submissão às coisas. Devanear e fugir da realidade é então um modo de preservarmos a dignidade de seres que não são meras coisas. Uma emancipação, embora exista quem esteja convencido que é uma forma de alienação. Não vou arguir a causa. Quem gostar do peso da realidade que a ela se submeta. Quem não gostar, ensaie a arte da fuga ou a técnica do devaneio. Agora, retorno para a realidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário