sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Acasos

O acaso tem um papel nas nossas vidas muito maior do que supomos. Mal escrevi a frase vi a que enredos ela poderia conduzir-me e hoje não estou para ardis nem para ciladas. Foi o acaso que me fez escutar uma canção que ouvia muito há mais de quarenta e cinco anos. Um poema de Rosalía de Castro musicado e cantado por um dos trovadores em voga na época. É uma bela canção, de uma tristeza comovente. Depois, pensei que nessa altura, com a idade que tinha, não deveria ouvir música daquela. A canção acabou, Rosalía voltou para a sua Galiza, onde nasceu sem que do registo de baptismo constasse o nome dos pais. Lembrei-me então que hoje, ao atravessar a cidade e enquanto me preparava para enfrentar as Erínias, ouvi na Antena 2 que era dia de aniversário de Juliette Greco. De imediato procurei uma das canções dela de que mais gosto, Déshabillez Moi (honni soit qui mal y pense) e achei que a tarde poderia ter acabado pior. Vou passar as próximas horas a ouvir cançonetas que não lembra ao diabo, enquanto a noite vai tricotando a sua agonia, à espera de um relâmpago que a salve de se precipitar na maresia da madrugada. Rosalía não chegou aos cinquenta anos, mas a Greco fez hoje noventa e três. Não sei se nisto haverá alguma mensagem cifrada ou se tudo não passa de um acaso.

Sem comentários:

Enviar um comentário