sábado, 8 de fevereiro de 2020

Poupar os pormenores

Hoje ao abrir as janelas dei-me conta de que no friso das orquídeas persiste florida uma quase há um ano. Comprei-a em Março passado por razões que não vêm ao caso e já estava florida. Enquanto as outras foram perdendo as flores, ela atravessou impante a Primavera, fingiu que o Verão era coisa de somenos por aqui. Quando o Outono deu lugar ao Inverno, a queda de umas flores foi compensada pelo rebentamento de outras. E ali está ela pronta para chegar a Março. Ocorreu-me que tivesse sido enganado na florista e que não seja uma orquídea. Na realidade, não sou um Nero Wolfe. A minha vida não é desvendar crimes sentado à secretária e cultivar orquídeas. Também não tenho um cozinheiro à disposição e, por isso, já fui consultar a ementa de uma dessas casas que têm por função transformar pessoas como eu em cozinheiros improváveis. Se me perguntarem de quem é a responsabilidade do almoço, posso responder é minha. Evito os pormenores. A sabedoria da vida reside toda aí, no evitar os pormenores. Quanto mais pormenores se sabem, maior é a descrença na humanidade. Uma pessoa sensata tem por norma o imperativo categórico poupem-me os pormenores! Um pormenor delicioso é narrado em Walden Two, o romance de B. F. Skinner, o behaviorista. Frazier, enquanto aluno de licenciatura pegou num artigo do reitor da universidade, para usar um título à nossa medida, publicado numa revista, assinalou-lhe a vermelho os erros de ortografia, compôs-lhe a sintaxe e com recurso à simbolização lógica formalizou os argumentos, mostrando a sua não validade. Feito isto, enviou o artigo ao seu autor com a classificação de C. E qual foi a resposta do magnífico reitor, pergunta quem tenha a desventura de estar ler este texto. Não sei. B. F. Skinner, no romance, poupou-me o pormenor.

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