Hoje ao abrir as janelas dei-me conta de que no friso das
orquídeas persiste florida uma quase há um ano. Comprei-a em Março passado por
razões que não vêm ao caso e já estava florida. Enquanto as outras foram
perdendo as flores, ela atravessou impante a Primavera, fingiu que o Verão era
coisa de somenos por aqui. Quando o Outono deu lugar ao Inverno, a queda de
umas flores foi compensada pelo rebentamento de outras. E ali está ela pronta
para chegar a Março. Ocorreu-me que tivesse sido enganado na florista e que não
seja uma orquídea. Na realidade, não sou um Nero Wolfe. A minha vida não é
desvendar crimes sentado à secretária e cultivar orquídeas. Também não tenho um
cozinheiro à disposição e, por isso, já fui consultar a ementa de uma dessas
casas que têm por função transformar pessoas como eu em cozinheiros improváveis.
Se me perguntarem de quem é a responsabilidade do almoço, posso responder é minha.
Evito os pormenores. A sabedoria da vida reside toda aí, no evitar os
pormenores. Quanto mais pormenores se sabem, maior é a descrença na humanidade.
Uma pessoa sensata tem por norma o imperativo categórico poupem-me os
pormenores! Um pormenor delicioso é narrado em Walden Two, o romance de B. F. Skinner, o behaviorista. Frazier,
enquanto aluno de licenciatura pegou num artigo do reitor da universidade, para
usar um título à nossa medida, publicado numa revista, assinalou-lhe a vermelho
os erros de ortografia, compôs-lhe a sintaxe e com recurso à simbolização
lógica formalizou os argumentos, mostrando a sua não validade. Feito isto, enviou
o artigo ao seu autor com a classificação de C. E qual foi a resposta do magnífico
reitor, pergunta quem tenha a desventura de estar ler este texto. Não sei. B.
F. Skinner, no romance, poupou-me o pormenor.
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