Acordei com uma sensação de irritação na garganta, um
pré-aviso de faringite, e o primeiro pensamento foi onde está o Strepfen. Não devia fazer publicidade
gratuita à indústria farmacêutica, mas não há ninguém que, ao acordar envinagrado,
pense onde está a solução para pulverização bucal de flurbiprofeno. O comércio
com as suas marcas é muito mais entusiasmante do que a química, a qual desde a
reforma da nomenclatura feita por Lavoisier, Bertholet, Fourcroy e Morveau – são
legião as coisas inúteis que eu sei – perdeu a natureza poética que animava o
mundo governado pela teoria do flogisto e onde existiam coisas tão espantosas
como fígado de antimónio, sal da sabedoria, flor de bismuto, isto para não
falar no açafrão de Marte e na manteiga de arsénio, a qual deveria ter
excelente utilidade em casos desesperados, e que hoje em dia, se vi bem, é
conhecida pela designação despoética de tricloreto de arsénio. Acordar assim no
dia de Carnaval não é um bom sintoma e não sei a quem culpar se à minha faringe
se ao Lavoisier. Durante a noite, e num momento de insónia, o senhor Chesterton,
do qual estive a ler umas páginas para tentar chamar o sono, recordou-me uma
verdade central da existência. Tudo o que é extraordinário depende de um veto,
de uma proibição, por norma destituída de sentido. Lembrei-me de imediato de
Adão e Eva e da sua extraordinária existência paradisíaca presa pelo veto de
comerem o fruto de uma árvore. Se o leitor, porém, for um nietzschiano
empedernido ou um cultor da supremacia ariana e achar que isso são coisas de
uma cultura judaico-cristã decadente, recordo-lhe que também a felicidade de Orfeu
dependia da estranha proibição de olhar para Eurídice enquanto se afastavam do país
dos mortos. Num mundo em que já não há fígado de antimónio nem flor de bismuto,
o sal da sabedoria é descobrir qual a proibição que vela pela sua felicidade e
o mais sensato é não comer maçãs ou olhar para trás, não vá lá estar a Eurídice
que se perderá para sempre.
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