quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

O caos avança

A quinta-feira passou a fronteira que separa a manhã da tarde, vai a trote, sem impaciência. Ao nomear o dia lembrei-me de um romance de Chesterton lido há muito, O Homem que Era Quinta-Feira. A história metia anarquistas, polícias e espiões infiltrados, acabando por tudo se confundir. É o que acontece na vida não romanesca. Tudo se confunde. Porventura, eu deveria ser mais honesto e dizer tudo se me confunde ou confundo-me com tudo. Imagino que quando se é recém-nascido a mente seja povoada por um caos e que, paulatinamente, se vai organizando até se tornar um cosmos límpido e quase aprazível, como aquele que Descartes exibia quando tinha por habitantes da sua mente as evidências, tão claras e tão distintas, que ofuscariam um sol como o de hoje. Eu, confesso, nunca tive muitas evidências, embora viva num mundo onde não há cão nem gato que não as exija . Seja como for, eu sei que é quinta-feira porque o calendário assim o diz ou talvez me tenha lembrado do romance do Chesterton e feito a dedução, aliás brilhante, que se segue: hoje lembrei-me do romance O Homem que Era Quinta-Feira, logo hoje só pode ser quinta-feira. Como se vê, existem já evidências do meu estado de confusão mental, em que confundo a objectividade do calendário com a subjectividade da memória. Espero que amanhã, por contiguidade metonímica ou por mera associação, me lembre do Robinson Crusoe e acerte no dia da semana. Com o avançar da tarde a confusão só pode aumentar. Quando a noite cair, o caos mental será tão grande que talvez já nem saiba o meu nome, se é que terei algum nessa altura.

2 comentários:

  1. Entre a objectividade e a subjectividade é que nós existimos, creio não sermos uma coisa ou a outra. Boa sexta feira!
    ~CC~

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    1. Talvez um pouco perdidos entre ambas, nuns dias mais, noutros menos.

      HV

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