segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Outros carnavais

Nestes dias ainda não avistei por aqui foliões a imaginar que estão no Carnaval. Anda tudo muito circunspecto. Se deixar a memória fluir, hei-de lembrar-me de que no tempo de criança, na escola primária, talvez antes, ter-me-iam comprado uma caraça – havia as de pasta de papel e as de plástico – uma pistola de água, as inevitáveis serpentinas e os estalinhos, não sei se por outros lados teriam outro nome. Nada disto entrava na escola e os professores daquele tempo, com os seus fatos escuros e gravatas sombrias, eram gente séria e pouco dada à volatilidade do corso, prontos a manejar uma régua com que imaginavam civilizar uma turba de selvagens. Mascaradas e outros devaneios conflituavam com a santidade do que havia para aprender. Mesmo em casa, as bombinhas de mau cheiro não faziam parte do permissível e os sacos de confettis, vá lá saber-se o motivo, também não. Não seria um Carnaval inebriante, mas na altura tudo aquilo pertencia a uma ordem inquestionada do mundo, que se aceitava porque era assim, mesmo os selvagens actos civilizacionais de professores austeros. As pistolas de água nem sempre davam ocasião a situações amistosas e as serpentinas nunca deixaram de ser uma decepção. Lançadas, era impossível recolhê-las para as tornar a lançar. Serviam apenas para juncar o chão de papel colorido e ficar a olhar para aquilo sem entusiasmo, não percebendo na altura a lição que havia nelas sobre a irreversibilidade de tudo o que acontece. Na verdade, aprendiam-se muitas coisas, talvez as mais importantes, sem saber que se aprendiam e nisso havia uma inteligência profunda que foi vendida ao desbarato nalguma feira da ladra.

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