Enfastiado, deixo a quarta-feira escorregar por mim. Não sei o que fazer com ela, embora saiba o que fazer nela. Tenho muito para ler, mas não é literatura que me desvaneça. Cansar-me-á os olhos. Haverá de me fazer sorrir, outras vezes bocejar. Do parque infantil, chega-me o ranger das roldanas. Não fora o ruído e quase acharia um tom poético na aliteração. Isto aqui, porém, é prosa e manda a correcção do estilo evitar repetições sonoras, mas elas insistem, desabam no texto, caminham por ele e deixam uma pegada que ninguém apagará. Uma mãe chama uma filha, um aspirador sorve a poeira num apartamento vizinho, o ar fresco entra-me pela janela, enquanto os meus olhos saltam para a paisagem em frente. O pequeno bosque ergue-se como uma barreira verde que começa a ocultar-me o mundo. É uma tapada de árvores uniformes, de onde se exceptuam alguns cedros, que deram em esgalgar e querem confundir-se com marcos miliários, pelos quais os anjos hão-de contar as milhas que percorrem nessa estéril tentativa de proteger os homens de si mesmos. O aspirador calou-se. Não tarda e o grupo musical da escola vizinha há-de vir animar a tarde, com as suas canções de baile de província. Ocorre-me que ande a ensaiar para o baile da pinhata ou para alguma verbena. O telemóvel informa-me que o antivírus está a olhar por mim. Inclino a cabeça em sinal de gratidão e penso que sempre existem anjos. A minha operadora de comunicações, purificando-se pela caridade, insiste em oferecer-me coisas, como se tivesse urgência em ganhar o céu. O inferno são os outros, mas isso é conversa de intelectual que não vem ao caso.
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