Os pássaros meus vizinhos poisam no parapeito de uma das janelas e conversam longamente. Não os vejo, mas oiço-os. Não há neles irritação e o diálogo flui ligeiro, com pausas e troca ordenada de locutores. Será o mundo das aves mais ordenado que o dos homens, foi a pergunta que se formou em mim. Soubesse eu música, tivesse talento para compositor e faria como Olivier Messiaen. Comporia um catálogo dos pássaros, para que na voz do piano se escutasse o canto de uma ave. O desejo maior, porém, seria de entender a sua fala, o vocabulário, a sintaxe os artifícios semânticos. Haverá por ali belas metáforas, metonímias inesperadas e chego a desconfiar que não são parcos no eufemismo. Na prosódia, não se furtam à anáfora e são cultores assíduos da assonância e da aliteração. Estes devaneios distraem-me e estou constantemente a trocar letras no teclado. Fico a olhar para os erros. Umas vezes, a palavra assim inventada quase merece vir à existência. Outras, observo o teclado para tentar perceber que conexão neuronal se desviou da regularidade e me tentou arrastar para o caos. Raramente fico elucidado e desisto. Da rua, vêm os gritos doridos de uma adolescência que não aprendeu a domar-se. Também um aspirador regurgita das entranhas um zunido infernal. Temos sempre um pequeno inferno à nossa mão. Agora silenciou-se. Talvez o canto dos pássaros volte e eu compreenda pela primeira vez uma frase.
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