O actual estado do mundo, causado pela inopinada chegada de
um vírus inamistoso, uma daquelas visitas não convidadas nem anunciadas, tem
trazido para a ribalta, para além de uma legião de especialistas em epidemias,
pandemias, estatísticas, curvas, picos e planaltos, saúde pública e sabe-se lá
mais o quê, palavras que estavam escondidas em casa e que, ao contrário dos
seres humanos, foram obrigadas a desconfinar-se. Por mim, elejo zaragatoa, não
pela utilidade, mas pela feiura. Há palavras que nascem feias e por mais que se
componham nada há a fazer. Esta pobre que começa a andar pelas bocas do mundo,
coisa pouco recomendável, terá nascido no árabe vulgar como zarqatúnā,
os espanhóis, com o gosto estético que se lhes reconhece, baptizaram-na como zaragatona e nós portugueses, ao
importá-la, tentámos limar sonoridades que nos fazem lembram os sabonetes e
desodorizantes rexona, passe a publicidade. Um leitor menos disposto a
consultar um dicionário perguntará se as zarqatúnās árabes teriam a mesma função que as
nossas infelizes zaragatoas. Não. A palavra árabe designa apenas o caroço de
algodão, o qual pode ser utilizado na alimentação de animais ruminantes. As
coisas inúteis que eu sei não me deixam nunca de maravilhar. Como se vê, na viagem que vai da zarqatúnā árabe à
zaragatoa nacional, muita coisa mudou, embora alguma tenha ficado. Espantoso,
mesmo para mim, o número de palavras e frases que consegui escrever sobre um
assunto que não interessa a ninguém, nem a mim narrador destas aventuras, nem,
tão pouco, ao autor. Hoje é quinta-feira, dia 7 de Maio. A rua está calorenta, mas
a casa primaveril. Passo os olhos pela imprensa e certifico-me que o mundo
continua a ser mundo, os homens não deixaram de ser o que eram e quimeras, fantasias,
devaneios e ilusões não perderam o lar que as acolhia, o desejo sem limites que
arde no coração humano, ou noutro sítio que me recuso a nomear.
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