As folhas das oliveiras vão mudando de tonalidade de acordo com o estado de espírito do vento. Como se sabe, se há coisa que possui estados de espírito é o vento. Sopra onde quer. Sopra como quer. Sopra se quer. As folham vão e vêm, rodopiam, ora se tornam sombrias, ora são arrastadas para a luz e logo o verde-cinza se ilumina e toma a cor da prata ou da platina ou do tungsténio. O mundo é feito destas pequenas coisas e mesmo as nossa grandes tragédias não são mais que irrisão no concerto universal. Nestes dias em que me remeti ao resguardo da casa, perdi a oportunidade de escrever uma grande aventura, na qual, como um herói de antanho – que bem que esta palavra rima com estanho –, enfrentava dragões, górgonas e harpias, se calhasse o próprio minotauro, saltava obstáculos e saía vitorioso de mil armadilhas e de outros tantos combates, enquanto me arrastava de recanto em recanto pela casa fora. É sempre dramático constatar que não se nasceu nem para Ulisses nem para Homero e que os dias me tornaram doméstico, sem vontade de convocar uma poderosa armada e ir pôr cerco à primeira Tróia que apanhasse à disposição, para depois ficar prisioneiro da ninfa Calipso e, quem sabe, deixar-me cair na tentação da imortalidade. Sem Tróia para conquistar nem Calipso para me salvar, escrevo sobre a luz nas folhas das oliveiras, o ondular das ramadas sob o capricho do vento e outras aventuras, como a dos pássaros que falam à minha janela, a de um carro que buzina ou a da mulher da máscara verde água que atravessa a passadeira e chega exausta ao outro lado da rua, como se tivesse chegado ao outro lado do mundo. Hoje é segunda-feira, dia 4 de Maio. O país desconfina-se, desenrola-se mascarado, as pessoas entoam loas à normalidade, como se a anormalidade não fizesse parte da norma. Eu não sei o que fazer com tudo isto, sem uma Tróia para saquear, uma Roma para fundar ou um caminho marítimo para Índia a descobrir. Apenas conheço os caminhos dentro de casa e não me esqueci da porta da rua. E isso talvez fosse motivo para toda uma literatura, para a qual me falece o talento e a vontade.
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