Os almoços tardios de domingo são ainda o sinal de uma
sabedoria vinda de um tempo que parece ter-se acabado e que, como qualquer
outro tempo, não voltará mais. Talvez no futuro que está mesmo ao pé da porta todos
descubramos uma vocação para a arqueologia e comecemos a escavar o solo em
busca de vestígios de uma vida que vivemos há muito. Armados de pá e picareta,
como se vê pelos instrumentos não faço a mínima ideia de como os arqueólogos
trabalham, escavaremos a rocha dura da memória para descobrir como era a vida nesse
passado longínquo em que habitámos outro mundo. Digo isto não porque tenha
vocação de Júlio Verne ou me entregue ao vaticínio e artes correlativas, mas
porque não me ocorre nada melhor para dizer. Por falar em Júlio Verne, a
literatura de antecipação científica, ao contrário da policial, nunca exerceu
sobre mim qualquer fascínio. Nunca devo ter achado o futuro um território digno
de louvor, ao contrário de todos os que entoam loas ao que há-de vir, não
sabendo eles o que está para vir. Prefiro os policiais pois tratam de coisas
arcaicas, de todos aqueles Cains que, dissimulados, matam os Abéis. Paro a
verborreia, e se Abel não se pluraliza ou não o faz como papel? Encerro a
questão dizendo-me que não sou o Ciberdúvidas nem tão pouco conheci algum Abel
nesta vida quanto mais dois, para ter necessidade de pluralizar o nome com
certeza e segurança. Com ou sem Abéis no plural, prefiro livros policiais. Devia
ir apanhar sol. Consta que fornece vitamina D e, embora eu não saiba qual a
função desta, estou certo que se ela estivesse dentro dos parâmetros normais eu
não escreveria coisas como estas. Hoje é domingo, dia 10 de Maio. O dia hesita
entre a tristeza e a alegria, como eu hesito em se faço aquilo que tenho de
fazer ou faço outra coisa para a qual não tenho obrigação. De imediato penso
naquela oração aprendida na infância e digo não me deixeis cair em tentação, ao
que acrescento logo uma tentação é uma tentação. Opto por fazer o que me
apetece.
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