Um dia anémico foi o que o sorteio meteorológico nos deu.
Vítima de uma voraz sangria, arrasta-se amarelento, cansado, como se fora filho
de um mês que, ainda imberbe, tivesse já dificuldade de respirar e de suportar
o peso do corpo, a trama que une as horas em dias e estes em semanas. Uma
funcionária da escola aqui ao lado empurra um corta-relvas, para a frente e
para trás, tenta domá-lo como se fosse um cavalo selvagem, segura-lhe as rédeas
para que não espinoteie. Falta-me vocabulário para prosseguir a analogia,
talvez devesse ler o livro da ensinança de
bem cavalgar toda a cela, embora o hipismo nunca me tenha interessado e é tarde
para me dedicar a torneios e justas equestres. O mais assisado seria dedicar
umas horas ao leal conselheiro, nunca se sabe o valor que pode ter uma
exortação à sensatez. O trânsito parece aumentar a cada dia que passa. Depois
de semanas a engordar ao sol e à chuva ou numa cave húmida, os automóveis
reclamam exercício que lhes adelgace as ancas e disfarce a barriga. Esta noite
uma insónia cravou em mim um punhal traiçoeiro para me roubar o sono e deixar-me
irritado com o passar das horas, perdido entre leituras para adormecer e
tentativas frustradas de dormir que desaguavam em novas leituras para adormecer.
Salvou-me a aurora que me ofereceu grátis duas horas de sono. Hoje
videoconferenciei por duas vezes, falei de coisas extraordinárias como jus ad bellum e jus in bello, para o que havia de me dar num dia como este. Ontem
fui vítima, ainda que indirecta, de uma das versões paroquiais da falácia ad hitlerum. Alguma vez tinha de me
calhar, pois a idiotice não é coisa que escasseie e, queiramos ou não, por
vezes somos abalroados por ela. Hoje é terça-feira, dia 5 de Maio. Deixo-me
hipnotizar pela passagem dos ponteiros do relógio e fico, como sempre, indeciso
se um segundo é pouco ou muito tempo, dilema que me arrasta para as mais
obscuras meditações, às quais pouparei o leitor.
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