Olho pela janela como se estivesse confinado. Um forte
aguaceiro rompe o sossego com que o dia desliza para o fim. Uma bátega de água.
Assaltou-me a curiosidade e fui tentar saber de onde vinha a palavra. Ela tem
dois sentidos. Quando significa bacia, terá vindo do árabe bâtiya, mas se significa chuvada a origem obscurece-se. O
dicionário da Porto Editora alvitra que pode ter vindo de bater. O Houaiss,
apesar de sublinhar a origem controversa do vocábulo, adianta que é uma
derivação por analogia. Imagino que seja a confissão de um acordo com o que diz
o da Porto Editora, mas não afianço. Quando apareceu em Portugal, comprei o
dicionário Houaiss. Seis volumes em papel com uma letra tão pequena que só de
olhar para ela uma pessoa começa a fantasiar dores de cabeça. Há muito que não
lhe toco. Comprei uma versão digital e é essa que utilizo. Evita-me dores de
cabeça e o trabalho incerto de encontrar a palavra no seu lugar alfabético.
Basta digitá-la e, como num filme de fantasia, ela aparece, com a informação, a
idade e até a origem, mesmo se obscura. É um dicionário perfeito para quem se
interesse por coisas inúteis. Qual o primeiro registo escrito conhecido de uma
palavra? Ele informa. Bátega, 1525. Já bateria terá sido em 1546 e batente em
1456. Como se vê, este conjunto de inutilidades é de uma enorme importância num
tempo em que as pessoas estão obrigadas ao jogo do confina e do desconfina,
rodeadas de bátegas de água. O pior, e isso ocorre muita vezes, o dicionário
recusa dar informação. Guarda-a para ele. É inútil discutir. Parou de chover.
Em Portugal, segundo o Houaiss, chove por escrito desde 1262. No meu telemóvel
pipocam mensagens. Sim, eu posso dar a informação. Pipoca, primeiro registo em
1781. Hoje é quinta-feira, dia 14 de Maio. O mês aproxima-se do meio, mas não
entendo sequer o que quero dizer com isso. Desconfio que existe na sociedade
uma ofensiva contra o calendário. Algum grupo radical está apostado em
devolver-nos à pura duração, a esse momento paradisíaco em que ainda não tínhamos
esquartejado o tempo para o contar. Talvez amanhã consiga escrever um texto
menos idiota. Há que não desesperar.
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