Leio mais devagar. Pareço arrastar a leitura não por
desinteresse mas por um qualquer motivo que desconheço. É possível que os olhos
se cansem, é possível que as coisas habituais estejam a perder sentido, é
possível qualquer outra razão que desconheço ou que quero desconhecer. É o que
acontece com a minha leitura de O Jardim
dos Finzi-Contini. Há pouco uma palavra surpreendeu-me. O narrador, para
que a bicicleta não fosse roubada, deveria colocar nas rodas um aloquete. Fui
ver quem tinha traduzido o livro. O poeta Egito Gonçalves, um homem que nasceu
em Matosinhos e morreu no Porto. Percebi de imediato a opção por aquela
tradução e não pela sulista e latina cadeado. A primeira vez que ouvi a palavra
foi no dia em que me apresentei num quartel da cidade do Porto para cumprir
serviço militar. Sempre achei a palavra inusitada, apesar da sua origem inglesa
e francesa. O dia encandeceu. O calor espalhou-se pelas ruas e anuncia os dias
tórridos que hão-de vir. No final da manhã, desci o viaduto de carro e passei
pela velha ponte medieval que permitia chegar ao centro da antiga vila. Em tudo
havia um ar dominical, até o sol vestia um fato domingueiro, como antigamente
as pessoas o faziam para ir à missa. Depois tornou-se de mau tom, ao domingo,
andar vestido de domingo, uma coisa de provincianos retardados e, como todos
nós provincianos retardados sabemos, ninguém quer passar por provinciano
retardado. Estou a repetir-me demasiado. No friso que lhes cabem as orquídeas
estão praticamente todas floridas. Apenas uma ainda retém as flores em botão,
como se persistisse em defender um segredo que não quer partilhar com ninguém. Hoje
é domingo, dia 24 de Maio. Tivesse eu poderes para tal e fechava todo este
tempo numa despensa escura e esconsa e depois trancava a porta com um aloquete,
atirando a chave para o oceano. Haveria então de me sentar na borda do poço que
havia na entrada da infância e comer nêsperas, caso as houvesse, ou magnórios
se estivesse no norte.
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