Depois de almoço sofri um ataque indescritível de sono. A
cabeça pendia, as pálpebras fechavam-se e em todo o corpo um torpor exigia que me
acastelhanasse e, sem escrúpulos nem remorsos, dormisse uma boa sesta. Tartamudeei
aquele velho slogan que fez a nossa
independência, de Espanha nem bom vento nem bom casamento, e acrescentei nem
bom vento nem bom aconselhamento. Resisti como se resistisse a um inimigo tenebroso,
convoquei as forças benévolas, lembrei o primeiro de Dezembro e os quarenta
conjurados e não me deixei arrastar para o mundo sombrio do sono, onde sempre
se pode ser surpreendido por sonhos que a sensatez nos deveria interditar. Meu
Deus, agora deu-me para a aliteração, ainda por cima em s. Se fosse em r poderia
escrever o rato roeu a rolha da garrafa do rei de Roma. Duas vezes somos
meninos, sussurra-me uma voz que me habita sem pagar renda. Aberta a janela, o
ar reanimou-me, as aliterações passaram. Um vento irrequieto brinca com a
folhagem das árvores, o sol joga às escondidas entre as nuvens e os carros,
como animais vindos de um universo paralelo, correm ofegantes, circundam
rotundas e aceleram entre baforadas de fumo e buzinas enrouquecidas pelo pólen
das árvores. Os dias úteis da semana começam levados pela incerteza, constato,
enquanto, mais uma vez, o alarme de um carro estacionado ali em baixo dispara, enche
o ar com os seus urros ateados pelo medo de ser levado por sabe-se lá quem. Também
estes animais metálicos desenvolveram um amor canino pelos seus donos. Hoje é
segunda-feira, dia 11 de Maio. Nesta data nasceram o imperador Justiniano I e
Salvador Dali. Para contrabalançar morreu Afonso Costa. As acácias estão compostas,
embora lhes falte o aprumo dos ciprestes e a altivez dos cedros.
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