Os objectos tornaram-se exercícios difíceis. Portas, maçanetas, chaves, corrimãos, botões do elevador, terminais de multibanco, puxadores, superfícies lisas e rugosas, garrafas de vinho e de azeite, pacotes de arroz ou de massa e todo o resto do mundo dos objectos desde que venham do desconhecido ou do conhecido exterior à caverna que habitamos. Há que ter cuidado, não tocar, desinfectar, colocar ao sol, à sombra, à chuva, dar-lhe o ar do meio-dia ou da meia-noite, pô-los em repouso, em quarentena, oferecer-lhes uma quaresma, para ressuscitarem no seu domingo de páscoa. Haveremos de enlouquecer com esta xenofobia sanitária, nesta nova selva com aparência civilizada, onde os tigres, leões e leopardos foram substituídos por um frasco de compota, uma embalagem de bolachas ou a garrafa de água que se compra na estação de serviço. Confesso que não sei o que me deu hoje para este tipo de peroração, mas ainda há dois meses e meio pegava nos objectos sem pensar e agora é o que é. Tudo se pode dividir entre o puro e o contaminado, como se as coisas tivessem uma natureza moral, dotadas de sexualidade e que devessem entregar-se na noite de núpcias em estado virginal, puras, intocadas, plenas de inocência. Talvez o melhor seja acabar com os objectos. Quando a temperatura sobe por estes lados, não afianço a qualidade do meu estado mental. O termostato que mede a febre da casa começa a aproximar-se de uma zona perigosa. Tremo só de pensar o que poderá esconder. Hoje é quinta-feira, dia 28 de Maio. Terei de fazer duas visitas, uma ao meu neto, a outra à sua bisavó. Devia poder juntá-los, mas ainda não vai ser hoje. Bebo água por uma garrafa-termo, o que me vale é que a tinha comprado no ano passado, naquele tempo em que se dispensava certificação moral às meras coisas.
Certificação moral às coisas - bela e feliz expressão:)
ResponderEliminarSinto o mesmo.
~CC~
Lidar com os objectos tornou-se mais difícil do que com as pessoas. Tempos cansativos.
EliminarHV