Neste momento estão 38 graus, mas há a promessa de se chegar
aos 40. Não faço ideia como alguém consegue fazer alguma coisa que tenha
sentido, por pouco que seja. Se observo a minha mente, o que vejo é uma névoa
turva onde os parcos neurónios que não desertaram bóiam, mantendo uma distância
de segurança suficiente para cumprir as regras do combate à pandemia, sem
tentações de fazerem sinapses, conexões, de se entregarem a amplexos dos quais
haveria de nascer um sentido. O que me vale é não ser dado a fúrias
mediterrânicas e as minhas relações com a tragédia grega serem apenas as de um
leitor distante. O calor não fomenta em mim a inclinação para o crime, como
acontece com outros, mas o mérito que tenho nisso é nulo. Aconteceu ser assim.
Fico tolhido, olho o mundo com condescendência e arrasto-me na existência como
o mais impotentes dos seres que a vida se lembrou de retirar do nada para que
soubesse o que era uma tarde quente e seca. Toda esta conversa serve para dizer
que não tenho nada para contar, ao contrário de alguém que conversa no café da
praceta aqui ao lado. Não se cala e o som indistinto das palavras chega até a
mim. Uma outra voz, a espaços, corta-lhe interrompe e fala. Talvez seja a isto
que se chama conversar, mas não tenho a certeza. É em dias como o de hoje que
me lembro das sábias palavras, já aqui citadas, de Afonso X Se eu houvesse podido aconselhar Deus na
criação – atreveu-se ele a dizer – muitas
coisas teriam sido mais bem ordenadas. Queixo-me do mesmo, de Deus ter
criado as coisas sem me pedir opinião, ainda por cima com evidente propensão
para o igualitarismo mais prosaico, para não dizer rasteiro. Amemos ou odiemos o
calor tórrido, Ele envia-o em doses iguais para todos os que aportaram a esta cidade
esquecida pelo Céu. Consta que não fez o mesmo com o frio, pois a voz do povo
diz que Deus dá o frio conforme o
cobertor. Deveria evitar este recurso à cultura popular. Não abona a meu
favor. Só deveria ter grandes e nobres palavras, como pretendiam os gregos
antigos, que me elevassem e comigo ao leitor. Chega-me um vídeo. O meu neto de
braçadeiras amarelas dentro de água. Quase o invejo, mas tenho de acabar o
texto aqui.
Sem comentários:
Enviar um comentário