Uma das coisas que se aprende com a observação do mundo é
que a maioria das pessoas confunde o desejo com aquilo que é possível. A
realidade surge então sempre de forma sombria e toda a gente parece mancomunada
para evitar o que seria possível, não fora a aleivosia dos outros, porque
nisto, os aleivosos são sempre os outros. Não lhes passa pela cabeça que aquilo
que é possível pode nada ter a ver com aquilo que desejamos. As possibilidades
são finitas e o nosso desejo é infinito. Este tipo de estultícia, muitas vezes
mascarado de erudição, abunda por todo o lado. Falei sobre isto com o padre
Lodo e o casal seu amigo, no jantar de há dias. O mecanismo é interessante, disse
o padre e passou a uma longa explicação didáctica. O nosso desejo, referiu com
uma entoação sempre italianizada, diz-nos que algo é muito desejável. Depois, a
nossa razão contaminada pela sensualidade proclama bem alto que o nosso desejo
é possível de realizar. A partir daí tentamos impor aos outros a realização
daquilo que desejamos, mas como raramente o desejo se atém ao que é possível,
saímos para a rua com o dedo em riste a acusar esses malandros que não realizam
as nossas fantasias. A perspicácia de Lodovico nem sempre lhe granjeou
amizades. Pelo contrário. Lembrei-me disto, depois de ler certas coisas há pouco,
coisas que caem neste erro, mas que merecem longos aplausos e muitos likes
nas redes sociais. Toda a gente sofre de infinidade do desejo, pensei. Por mim,
desejo um café.
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