Há familiaridades que me irritam. Quem terá dito aos
programadores do novo Word que sempre que se abre um ficheiro temos
de levar com uma mensagem de boas vindas? Ainda por cima vem acompanhada por
uma injunção disfarçada de conselho: comece onde ficou ontem. A cortesia deve
poder desactivar-se, mas estou suficientemente desactivado para o conseguir
fazer. Talvez não tenha acordado com boa disposição e não saiba apreciar esta urbanidade
informática. Num outro tempo, esta terra era um mar a fervilhar de oliveiras e
figueiras. O azeite e o álcool alimentavam as lamparinas com que a vida por
aqui se iluminava. Havia um calendário de cheiros que desapareceram,
substituído por um mundo inodoro e insípido. A memória apazigua-me com as
tontices do marketing. Aqui perto alguém canta. Não é um pássaro, nem um
anjo. É uma voz de mulher perdida numa lide doméstica. Do prédio em frente,
alguém chega à janela, apanha a roupa e refugia-se. O ritmo dos dias enrola-se
no perfume que alguém deixou no elevador. Sentado, olho para a rua e procuro
descobrir no silêncio a transparência com que o passado me assedia a memória.
Numa outra casa, havia um poço com uma roldana de ferro. A corda descia e subia
com um balde cheio de água pura. Não sei o que hei-de fazer com essa água,
agora que a casa já não existe.
Guarde-a bem guardada, não só por ser o bem do futuro, mas por essa ser muito mais que uma água comum, ser um lugar singular da sua memória onde se devem inscrever mais histórias.
ResponderEliminar~CC~
Um bom conselho, e guardar alguma coisa na memória é torná-la memorável.
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