quarta-feira, 22 de julho de 2020

A fortuna do saco

Os dias seguem enrolados em inexpugnável manto de calor. S. Pedro, descontente com a vida que se leva por aqui, lança anátemas e raios de sol para abrir consciências e rasgar peles. Talvez não devesse levantar estas suspeitas sobre aquele que detém as chaves do céu. Deve-se sempre ter as melhores relações com quem gere as portas e administra permissões e proibições de entradas. Segundo consta, nem vale apena argumentar contra decisões desfavoráveis, pois o porteiro celeste tem mais que fazer do que ouvir mentiras, ele que sabe toda a verdade. Deveria evitar estes esboços de mitologia, pois vivemos num tempo desencantado em que ninguém tem saco para este tipo de conversa. É uma pena. Quem diria que a palavra saco teria tão grande fortuna. Encher o saco, despejar o saco, meter a viola no saco, não cair em saco roto, meter tudo no mesmo saco. Ter ou não ter saco, eis a questão. É possível que toda a metafísica se resuma a ter ou não saco ou seja uma questão de ensacar e desensacar. Os dias de Verão são sempre difíceis, principalmente para um narrador que nada tem para narrar. Podia falar da Marília que tornei a ver com o Zé Tó, ambos com ademanes abrasileirados, um samba excessivo para a idade deles. Digo eu. Poupo-vos, porém, aos pormenores. Tenho de ir encher o pneu da bicicleta da neta mais nova. Andar de bicicleta dá muito trabalho.

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