quinta-feira, 23 de julho de 2020

Um fado, uma sina

A semana entrou na recta final. É uma frase estranha, mas não notamos a estranheza, de tanto a usar. Nem sempre o tempo foi visto como uma recta, melhor como uma flecha que segue sempre em frente, sem que nada a detenha ou desvie. Tempos houve em que o homem o compreendia como se fosse um círculo, em que tudo voltava, num verdadeiro eterno retorno do mesmo. Tudo isto para dizer que a semana se aproxima do fim. Ainda há dia e meio para as utilidades, mas logo chegará o ócio do fim-de-semana. A imprensa substituiu o retrato imaginário de um vírus COVID-19 pelo de Amália Rodrigues, no centenário do nascimento da fadista.  Ficámos todos a ganhar. O vírus é horrível, enquanto Amália era uma bela mulher. Fica muito bem nas capas dos jornais. Os olhos agradecem. Durante muitos anos, não liguei nada ao fado. Depois, Amália Rodrigues, Alfredo Marceneiro e Carlos do Carmo dobraram-me. Hoje em dia, quero dizer no tempo em que ainda não havia retratos de vírus na primeira página dos jornais, vou a concertos de fadistas. Nunca me arrependo. Talvez seja a isto que se chama envelhecer. Na rua, os cães ladram, um casal passa devagar, cada um ajoujado ao peso da própria sombra. Separa-os meia dúzia de metros, como se já não pudessem suportar a companhia um do outro. Foi por vontade de Deus. Também eles têm a sua sina. Um pássaro canta, enquanto um par de anjos poisa no prédio em frente.

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