A semana entrou na recta final. É uma frase estranha, mas não
notamos a estranheza, de tanto a usar. Nem sempre o tempo foi visto como uma
recta, melhor como uma flecha que segue sempre em frente, sem que nada a
detenha ou desvie. Tempos houve em que o homem o compreendia como se fosse um
círculo, em que tudo voltava, num verdadeiro eterno retorno do mesmo. Tudo isto
para dizer que a semana se aproxima do fim. Ainda há dia e meio para as
utilidades, mas logo chegará o ócio do fim-de-semana. A imprensa substituiu o
retrato imaginário de um vírus COVID-19 pelo de Amália Rodrigues, no centenário
do nascimento da fadista. Ficámos todos
a ganhar. O vírus é horrível, enquanto Amália era uma bela mulher. Fica muito
bem nas capas dos jornais. Os olhos agradecem. Durante muitos anos, não liguei
nada ao fado. Depois, Amália Rodrigues, Alfredo Marceneiro e Carlos do Carmo
dobraram-me. Hoje em dia, quero dizer no tempo em que ainda não havia retratos de
vírus na primeira página dos jornais, vou a concertos de fadistas. Nunca me
arrependo. Talvez seja a isto que se chama envelhecer. Na rua, os cães ladram,
um casal passa devagar, cada um ajoujado ao peso da própria sombra. Separa-os
meia dúzia de metros, como se já não pudessem suportar a companhia um do outro.
Foi por vontade de Deus. Também eles têm a sua sina. Um pássaro canta, enquanto
um par de anjos poisa no prédio em frente.
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