A humanidade divide-se em três categorias. Os sagazes, os
estultos e os outros. Não me coube nem o estatuto dos outros nem o dos sagazes.
Restou-me entrar no clube dos que cultivam a estultícia. Como todos os
estultos, sou um praticante assíduo. Nunca falto a um treino e compito nos melhores
campeonatos de estultícia para seniores. Hoje entrei numa livraria para ver os
livros. Realizei plenamente o meu desígnio. Cumpri os objectivos, como agora se
diz. Cheguei lá, olhei para as estantes e vi que tinham umas coisas vagamente
parecidas com livros. Foi uma contemplação pura. Só um estulto entra numa
livraria sem óculos. Os sagazes são precavidos e, caso necessitem, terão sempre
uns à mão. Os outros nem precisam desses benévolos dispositivos pois não entram
em livrarias, espaços que são apenas frequentados por sagazes e estultos que se
pensam sagazes. Um funcionário perguntou-me se eu precisava de ajuda. Que não,
respondi e agradeci o empenho solícito. Não lhe ia pedir uns óculos emprestados
nem que me lesse as lombadas dos livros. Ainda não cheguei a essa fase. Como
todos os estultos insisti em comprar livros. Quando cheguei a casa descobri que,
caso tivesse óculos, não teria comprados dois dos que comprei. Sempre posso ir
trocá-los, mas está tanto calor e nada me garante que leve óculos e não acabe
por trazer os mesmos que teria devolvido. O que me valeu para disfarçar, aos
meus olhos, a estupidez natural foi uma cliente que estava em muito pior estado
de conservação do que eu. Ia conversando com os empregados e o dono da livraria
e acabou, entre pagamentos, considerações literárias e pedidos para guardar a
encomenda, a oferecer-lhes croquetes. Óptimos, asseverou, e como comprei seis e
sou só uma. Eles agradeceram. Ela saiu e eu fiquei a pensar quando será o dia
que entro numa livraria e, mesmo com óculos, acabo a oferecer croquetes ou
pastéis de nata à menina da caixa. Nunca se sabe para o que estamos guardados.
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