Foi Bioy Casares que, num conto intitulado de Nóumeno,
fez dizer a Arturo os sonhos são convincentes, mas não vou permitir que a
superstição prevaleça sobre a sensatez. Talvez tenha razão e a superstição
nasça do sonho, daí o seu poder de convencer e gerar fundas convicções. Tenho
uma vantagem sobre a maioria dos humanos. A mim os sonhos não me convencem e,
por isso, talvez possa resistir melhor à superstição. Esta vantagem não nasce
de uma qualidade que possua, mas de um defeito. Raramente, mas muito raramente,
me recordo de um sonho. Se durante o sono se deram em mim aventuras oníricas,
mesmo as mais extraordinárias, quando acordo é como se nada se tivesse passado.
Há quem discuta se se sonha a cores ou a preto e branco, eu não faço ideia do
que estão a falar. Se alguma vez fosse tentado pela psicanálise, não teria
sonhos para interpretar. Restariam a associação livre e os actos falhados. Aqui
haveria material em abundância para ser conduzido ao momento traumático que na
infância me fez apagar o poder de recordar os sonhos. Não se pense, porém, que
eu tenha fé na psicanálise. Como disse, resisto à superstição. Ontem encontrei
um amigo que já não via há uns meses. À distância, atirou ele. É a nova ordem
mundial. Eu percebo-o bem. Médico de profissão, não pode fazer outra coisa
senão cultivar a distância. E ficámos a conversar com um espaço de segurança de
uns três metros, a combinar um encontro de famílias, mas não faço ideia como vamos
resolver a distância nesse encontro, onde haverá crianças e adolescentes. A
proximidade entre as pessoas tornou-se uma superstição nascida de um sonho.
Resta-nos a distância. Cristo se viesse agora ao mundo já não ordenaria amar o
próximo como a si mesmo, mas o distante. Quanto mais distante mais digno de
amor.
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