Não sei o que me deu hoje de manhã para pisar a balança. Irritou-se
e devolveu-me o peso em tom de ameaça. Saí de cima dela e ouvi-a rosnar. Se
tornas a pisar-me em dia útil, faço pior. Vai fazer alguma coisa pela vida.
Tentei serená-la com desculpas e promessas de que nada farei para estragar a
bela amizade que nos dias de confinamento – e restaurantes fechados – tinha
nascido entre nós. Não é a melhor coisa do mundo começar o dia com um
desaguisado. Quando me sentei à secretária, entreguei-me a escrever umas
patetices, mas agora estou livre delas e sinto-me aliviado do fígado. Oiço o
som insistente de uma sirene, mas não faço ideia se é fogo, desastre ou crime.
Talvez seja apenas alguém doente que urge levar para o hospital. Talvez seja
outra coisa qualquer, pois desconheço todas as razões que permitem ligar uma
sirene e encher a atmosfera com a angústia implorativa daqueles gritos mecânicos.
No outro dia fiquei a observar um carreiro de formigas, não das pequenas, mas
das outras que se encontram nos campos, mais encorpadas e apessoadas. Marchavam
com disciplina, como se tivessem uma alma militar. Nunca sabemos, na verdade,
que tipo de alma têm seres como os insectos, os pássaros e os protozoários. Não
tenho a certeza, mas julgo que a palavra protozoário foi a única coisa que
retive das lições de ciências naturais. Mesmo a palavra célula tenho dúvidas se
foi lá que a aprendi. Tenho de ir beber café e comer qualquer coisa, de
preferência sem calorias, sem sabor, sem odor, sem prazer.
Não recordo essa palavra das aulas de ciências, mas lembro-me bem do gineceu e do androceu: fascinante sabermos tudo sobre a reprodução das plantas e ignorarmos tudo acerca do nosso próprio corpo, até os nomes... ah, mas tínhamos que saber os nomes dos ossinhos todos- e ai de quem não soubesse.
ResponderEliminarTambém recordo ter aprendido que *Dona Mica tem um Quartzo no hotel Feldspato", o que me tem sido de extrema utilidade agora que vivo em terras graníticas ;)
Gostava de ter nascido mais tarde [não só porque agora seria muito mais jovem 😂] e ter tido accesso a outro tipo de ensino, sem aquele "empinanço" obrigatório de inutilidades.
Uma boa tarde, HV.
🌻
Maria
Não conhecia essa mnemónica, mas também a minha memória já teve melhores dias.
EliminarQuanto à esperança de que nascer mais tarde teria evitado o empinanço obrigatório de inutilidades, não tenho a certeza de que não seja um desejo mais do que uma realidade.
É evidente que ninguém tem de debitar os rios de Angola, as estações de caminho de ferro de Moçambique ou as produções agrícolas da Guiné. Algumas destas coisas saíram-me na admissão, mas talvez existam surpresas.
Uma boa tarde, Maria
HV