Hoje saí de manhã para fazer os meus seis quilómetros contra
a inércia e a preguiça. Consta que faz bem e evita que a balança se entregue ao
destempero, ao ser pisada por mim, e me devolva algum impropério em forma de
quilogramas. A passeata foi um pouco mais lenta do que a de ontem. Dormi mal,
uma insónia bateu-me à porta e eu, incauto, abri-lha. Dei por mim apreciar a
companhia. Permitiu-me acabar de ler um romance de Ramón del Valle-Inclán, a Sonata
de Otoño. Alguém dirá que também Ingmar Bergman realizou uma Sonata de
Outono, o que é verdade, mas não têm nada a ver uma com a outra. Cada uma
tem o seu assunto e o seu ritmo. Quem me recomendou o Valle-Inclán foi a Emilia
Bazan, a mulher do antigo aluno alemão do padre Lodovico Settembrini, no jantar
do outro dia. Como não conhece nada dele, comece pelas Sonatas,
sentenciou. A primeira é a de Outono, acrescentou, numa tentativa de
trocar o seu magnífico castelhano pelo português. Nesse momento, o padre
Lodovico franziu as sobrancelhas, mas não disse nada. Percebo-o, agora. O
Marquês de Bradomín não é propriamente um exemplo de bom cristão, mas o padre
também teve os seus dias avessos ao altar. Eu obedeci, muni-me de um exemplar e
li. Isso fez-me andar mais devagar, o que foi logo notado pela aplicação do
telemóvel que me segue os treinos. Na verdade, eu não ando a treinar, mas é
assim que ela interpreta o facto de eu me pôr a caminhar rua fora sem destino,
a não ser o da casa da partida. Caminhar é como jogar ao Monopólio. Vá para a
casa de partida, mas não tem nada para receber. Nos domingos de Julho íamos,
por vezes, almoçar à casa onde nasci. Era um almoço sob uma latada, o que
criava uma sensação de frescura. Naquela altura, ainda ninguém tinha morrido e o
mundo parecia uma clareira aberta. Há muito que não é possível juntar todos
aqueles comensais, mas eles fazem parte de mim. Hoje talvez comece a ler a Sonata
de Estío ou pergunte às minhas netas se querem jogar Monopólio. Presumo que
me olharão de lado.
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