Tudo se paga nesta vida. As coisas irritantes que não fiz
ontem fi-las hoje. Ao sair de casa, a atmosfera purgava grossas bagas de calor,
inundando ruas e avenidas com um ar tão quente que logo se imagina o dia
propício a um grande desvario. Pôr o carro a lavar, passar pela oficina e pagar
a bateria que ontem vieram colocar quase ao anoitecer, passar pelo seguro para
levantar a carta verde. Faltou-me apenas abastecer o depósito. Uma manhã
dedicada ao automóvel, ainda assim sem completar todas as tarefas. Tirando a
adolescência, que pela sua natureza não conta nestas considerações, a minha
relação com carros sempre foi enviesada. São coisas que me cansam, embora me
dêem algum jeito. Aquilo que eu gostaria mesmo era de teletransporte, mas ainda
não está disponível na gama de mercado a que posso aceder. Uma pessoa
fechava os olhos, concentrava-se no destino para onde queria ir e, passados
segundos, encontrava-se lá de carne e osso. Era uma grande vantagem. Perdia-se
menos tempo, a poluição baixava drasticamente e os milhões de empregos ligados
aos transportes seriam alocados – meu Deus, como é possível deixares-me escrever
esta palavra? – a coisas mais filantrópicas, cuja natureza agora não me ocorre.
De facto, o mundo foi muito mal construído. O arquitecto deveria ter um
espírito aberto e democrático e escutar a freguesia. Um amigo economista
confidenciou-me que isso se deve à falta de concorrência. Se os clientes
pudessem escolher entre vários mundos possíveis, os arquitectos em competição
preocupar-se-iam com os interesses dos consumidores. Sendo assim, é o que se vê. Um
mundo cheio de vírus e sem teletransporte. Uma pepineira.
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