Como o mês acaba hoje, acho que vou dedicar-me a uma sessão
de auto-análise, para descobrir os avanços e os obstáculos que me tolhem no glorioso
caminho em direcção à excelência. Quanto mais excelente me torno, mais próximo
fico da morte. Começar assim não é recomendável. Quem há-de querer ler coisa mórbidas,
pois para mórbida basta a vida. Sentados numa esplanada, um homem e uma mulher
formam um casal perfeito. Ela não fala, ele não olha para ela, prefere um
jornal desportivo, muito mais palpitante do que vinte anos de cansaços e amarguras.
Ela elege como destino do olhar o horizonte. Ali, esconde-se tudo o que a vida
prometeu. Afinal eram falsas promessas. Quanto a mim, tomo café com a lentidão
de um veleiro num mar sem vento e escrevo estas coisas destituídas de sentido
no bloco notas do telemóvel. A vida é sempre muito mais exígua do que o nosso
desejo, o problema é que além do desejo também nos foi dada a ilusão. O homem
põe o jornal de lado e preenche com demora um boletim do Euromilhões. Talvez
esteja a consultar no inconsciente as informações que o guiarão à fortuna. A
mulher revira os olhos, cansada de tanto horizonte e eu deixo-os em paz, afinal
o motivo da minha existência, no dia de hoje, sou eu, agora que me imagino no
divã a fazer associação livre, enquanto escrevo os meus feitos e defeitos
naquele sítio onde me é permitido enfrentar a necessidade. Não devias falar por
enigmas, diz-me a consciência. Sempre achei a consciência uma grande rameira.
Vende-se-me com demasiada facilidade. Se fosse casado com ela passaria o dia a
ler jornais desportivos. Julho está a finar-se.
E eu continuo a gostar tanto de o ler... falta-me é um narrador que transforme em palavras aquilo que sinto.
ResponderEliminarBom Agosto, HV.
🌻
Maria
Muito obrigado.
EliminarUm bom Agosto, Maria.
HV