De noite, o parque infantil recebe a luz de um candeeiro, daqueles que se tornaram comuns na iluminação pública um pouco por todo o lado, um poste de aço terminado por um globo de um branco encardido, e de onde se solta uma luz amarelada que espalha pelo parque uma atmosfera fúnebre. Ao olhar cá de cima descubro uma amolgadura no globo, como se alguém, talvez por falta de ocupação, tivesse querido emular o ovo de Colombo. O que torna o mundo digno de interesse são estas pequenas imperfeições, uma forma de resistência da realidade aos instintos perfeccionistas da espécie humana. Onde se queria a pura esfericidade, um corpo perfeito no seu ser rotundo, inscreveu-se uma depressão. Assuntos profissionais ocuparam-me com uma chamada telefónica de uma hora. Devia ter posto o telemóvel em alta-voz, mas esqueci-me. Agora tenha a orelha a arder e o ouvido exausto. Talvez por causa disso bebo um copo de água, dizem que faz bem, que hidrata o corpo e que devemos beber um número significativo deles durante o dia. Suspeito que serão sete os necessários, pois é um número cabalístico e a vida não passa de uma cabala. Devo evitar estas considerações, pois acerca daquilo de que não se pode falar, tem de se ficar em silêncio. Esta é uma famosa citação. Também poderia dizer, e ainda com maior exactidão, bem-aventurado silêncio. Feliz o homem que nada sabe e nada quer. E esta é a segunda citação, embora não do mesmo autor. Na verdade, não há discurso, oral ou escrito, que não seja citação, mas também sobre isto o melhor é silenciar-me.
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