Às oito horas desta manhã completámos o primeiro terço do mês de Março. Depois de escrever a frase olho para ela e descubro dois enigmas, qual deles o maior. Por que motivo a terei escrito? Aquela informação serve para quê? Não faço ideia por que razão a escrevi e muito menos sei para serve a informação nela contida. A maior parte das coisas que faço são desta natureza. Não sei o seu motivo e desconheço a sua finalidade. Dito de uma forma aristotélica – para dar impressão de erudito – desconheço a causa eficiente e a causa final. Desconheço-me e desconheço os objectivos que deveria perseguir. Enquanto escrevo estas sensaborias, vou escutando um CD de Heiner Goebbels, Ou Bien le Débarquement Désastreux. Quem ouve esse tipo de música, dirá o leitor, o mais natural é sofrer de falta de causalidade. Nem causa eficiente, nem causa final, mas também terá perdido a causa material e a formal. Já passou à condição de puro nada. O que é um narrador? Um ser de papel? Ora, o que é um ser de papel? Um puro nada, uma nulidade ontológica. Acho que vou fumar um cigarro para ver se ma passa este delíquio. Há palavras extraordinárias como delíquio – quase uma onomatopeia – ou cerúleo. São palavras que contêm uma certa imperfeição prosódica, mas isso apenas lhe realça a beleza que as habita.
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