Um sábado em que toda a manhã foi dedicada a coisas abstrusas que fazem parte da realidade em que, por vezes, sou obrigado a existir. Não é que goste particularmente da palavra abstruso. Não é esteticamente agradável. No entanto, sempre senti uma certa afinidade com ela. Como se pode ver num dicionário, vem de abstrūsu, particípio passado do verbo latino abstrudĕre, que significa ocultar. Abstruso não significa, todavia, oculto, mas obscuro, impenetrável, desordenado. Dito de modo mais directo, dediquei-me ao caos, esse estado de coisas que se suspeita estar mesmo à porta do cosmos. Mal uma pessoa se descuida, e tudo se torna abstruso, um caos. As palavras contam histórias. Por vezes, nos meus devaneios, imagino que, sob a capa da sua utilidade comunicativa, elas escondem verdadeiros romances, que literatura alguma haverá de igualar. Com ser de palavras que sou, sempre me pareceu de uma estultícia inominável o dito uma imagem vale mil palavras. Quem se dedica a dizer essas coisas não sabe que sob o som de uma palavra se escondem não mil, mas milhões de imagens, que, com um simples sopro vocálico, são atiradas ao vento, semeadas pela Terra e por aí ficam a germinar, enquanto uma imagem morre no momento da sua eclosão. São quase sete da noite, o crepúsculo invadiu a cidade, as crianças, que ainda não pensam em palavras, gritam no parque e eu continuo preso a coisas abstrusas.
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