Uma das coisas mais extraordinárias que as línguas possuem é a ambiguidade. Ocorreu-me isto quando, ao abrir um livro para consultar um certo assunto, me deparei com a seguinte interrogação: Para que serve argumentar? Pensa-se, de imediato, que a frase interrogativa abrirá o caminho para uma explicação sobre os serviços que são prestados pela arte de argumentar. O que é o caso. No entanto, essa mesma interrogação pode ser usada como uma exclamação que nega qualquer préstimo ao acto argumentativo. Usar a linguagem é entrar num território minado. Rio sempre que vejo certas personagens a vituperar o uso comum da linguagem por falta de precisão, por ambiguidade e por mais alguns crimes do género. Sonham com uma linguagem completamente unívoca e transparente. Não compreendem que essa ambiguidade estrutural não se deve ao desleixo ou à incompetência dos falantes, mas que a própria linguagem faz parte da imprecisão e ambiguidade gerais que compõem a realidade. É uma emanação desta. Ter-me dado para falar disto tem, desconfio, uma dupla explicação: o cansaço e a falta de assunto. Olho pela janela e as paredes encardidas do hospital reverberam fustigadas pelo brilho de uma intensa luz solar. Hoje de manhã perdi alguns minutos a contemplar o friso das orquídeas. Estão todas floridas, até a mais débil, que anda há anos a prometer morrer, está belíssima. Também nelas há uma ambiguidade, como se a existência fosse algo que não estivesse previamente determinado, mas fosse uma indeterminação que aparenta, aqui e ali, precisão, apenas para tranquilizar algumas almas infelizes pela complexidade do mundo. Para o que me haveria de dar hoje. Metafísica à hora do lanche é coisa que não se aconselha a ninguém. Além disso, não há mais metafísica no mundo do que comer chocolates.
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