É difícil uma pessoa adaptar-se às novas circunstâncias. Julga que vive como há vinte ou trinta anos, mas a realidade é tão crua que não se faz rogada em desmentir a presunção. Ao marcar um exame médico, deram-me uma série de indicações para cumprir no dia anterior. Nem as escrevi, convicto de que me lembraria delas. Agora que o dia se aproxima dei por mim sem saber o que fazer e a ter de ligar para a clínica, com papel e caneta para escrever aquilo que devia ter escrito. As faculdades, pensei, vão se apagando uma a uma. A natureza não é destituída de sabedoria. Olhei pela janela, o telhado branco do pavilhão desportivo da escola ao lado reverbera, batido pelo primeiro sol de Março. Senti uma súbita vontade de ir ver o mar, de me sentar numa esplanada e assistir ao infinito jogo das ondas, à passagem dos barcos, ao voo das gaivotas. A praia que me repele no Verão chama-me no Inverno. Ali posso escutar o murmúrio de tudo o que é, deixar-me prender ao ir e vir das águas para tocar naquilo que se esconde para lá da cortina preta das coisas visíveis. Anoto que a partir de agora tenho o dever de tudo anotar. Talvez estes textos sejam anotações daquilo que tenho o dever de anotar.
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