Há dias em que tudo tem um sentido difuso articulado por uma lógica também ela difusa. O espírito vagueia nem sabe por onde, mas qualquer tentativa de focagem, qualquer esforço em direcção à nitidez é repelido pelo corpo. Na verdade, nunca se sabe lidar com esse animal que nos coube em sorte. Pensamos que está domesticado e logo ele se entrega a desejos silvestres. Julgamo-lo vivaz e ele caminha sonâmbulo. Não admira que os homens se sintam estranhos perante essa carne em que têm de viver. Umas vezes, endeusam-na. Outras, diabolizam-na. A sabedoria, penso, seria não dar por ela. A semana começou e um cortejo de coisas inúteis, mas inadiáveis, perfila-se diante de mim. Deveria protelá-las até as esquecer, mas elas não se deixam cair no oblívio. Oiço música para piano de Debussy, mas não me sinto menos difuso. Olho pela janela, a escola ao lado permanece abandonada. Numa rotunda ao longe, os carros giram sem parar. Ainda mais longe, os fungos cobrem de cinzento e preto as paredes brancas do hospital. Em tudo, porém, há uma sensação de difuso, de falta de contorno, como se a realidade não passasse de um esboço. Talvez não passe. Talvez não.
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