A Primavera irrompeu por dentro do Inverno. As pessoas, cansadas do confinamento, precipitam-se nas ruas, passeiam devagar sob a luz solar, como se quisessem aspirar cada onda luminosa que chega a este pobre planeta. A minha neta mais velha, que está a passar cá a semana, interrompeu-me a meditação. Se lhe podia imprimir um trabalho que vai apresentar amanhã na aula online. Seis páginas sobre o Titanossauro da Patagónia, um lagarto gigantesco e, pareceu-me, feioso, dado a uma dieta de vegetais. Como era tranquilo o mundo quando as pessoas pensavam que as espécies eram fixas, que tinham sido criadas naquela azáfama divina dos seis dias, e que tudo estava explicado. Agora, as pessoas podem ter pesadelos com animais disformes que, vindos do início dos tempos, aterram dentro dos sonhos, para os poluir com o terror daquilo que é estranho. A terça-feira entardece por dentro das árvores, que logo projectam pelo chão longas sombras, como se chamassem a noite. Ela virá, trazida pelo vento, e eu anoitecerei mais um pouco. Num livro vejo escrito uma vida não examinada não merece ser vivida. Talvez Sócrates tivesse proferido a frase no seu julgamento, talvez tenha sido um dinossauro que, naqueles dias intérminos onde nada acontecia, se tenha lembrado dela ou mesmo um dragão dado ao ócio. Tudo é possível neste mundo.
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