quinta-feira, 4 de março de 2021

Um problema de máscaras

Está um dia sonolento. Boceja, resmunga e esfrega os olhos. O que significará aqui a palavra dia? Será o período em que a Terra recebe claridade solar ou aquele durante o qual o nosso planeta – talvez sejamos mais dele, do que ele nosso – dá uma volta completa sobre o seu eixo? Num caso, o dia exclui a noite. Noutro, inclui-a. Nunca se pensa nestas coisas, mas toda a gente, sem pensar nelas, sabe distinguir dia de dia. Se quisermos complicar, ainda podemos notar que dia significa era e também o estado atmosférico. É uma espécie de heteronomia ao contrário. Enquanto Fernando Pessoa se desdobrou em múltiplos nomes, aqui várias realidades tomam o mesmo nome. Isto significa que existem várias estratégias de disfarce. Numa, a mesma coisa toma várias máscaras. Noutra, várias coisas adoptam a mesma máscara. Um caso flagrante de homonímia. Como se pode ver, qualquer conversa vai dar ao problema da pandemia. Sem saber como, já estou a falar de máscaras, como se estivesse na Grécia antiga e discutisse sobre teatro. Tenho de confessar uma coisa. Não é o dia que está sonolento. Sou eu. Atacado pelo sono, não consigo parar de escrever disparates, coisas que não interessam a ninguém. Há tantas coisas interessantes para escrever, e logo a mim haveriam de caber estas. Cada um tem o que merece, oiço dizer. Sempre me pareceu que a meritocracia era uma conspiração contra mim, pobre narrador de narrativas destituídas de senso e sentido. Vou dormir uma sesta.

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