Por vezes, as pessoas entram pela casa da velhice e enlouquecem. Não porque fiquem loucas, mas porque a realidade começa a desfigurar-se, a perder o contorno. Então, os patamares mais recentes caem e as pessoas retrocedem dentro da memória. Vão cada vez mais depressa em direcção à infância. Enquanto correm, a sua vida vai desabando pelo precipício do esquecimento. O que era familiar torna-se estranho. É como se se caminhasse para a morte recuando no tempo, apagando os vestígios da vida, os grandes acontecimentos que as marcaram deixam de existir. Apagam os próprios filhos, a começar pelos mais novos. Isto disse-me há pouco ao telemóvel o padre Lodo. Diz que tem medo de ficar assim, pois foi assim que a sua mãe perdeu a noção do tempo e começou a viagem para o passado. Ele era o mais velho e foi aquele que mais persistiu na memória da mãe, mas chegou um dia em que ela lhe perguntou quem era ele. Não tinha chamado nenhum padre. O que me vale, continuou, é que, se perder a noção do tempo, não tenho filhos para esquecer. Depois, mudando de assunto disse-me estar farto desta pandemia, do temor instalado, de não poder juntar-se com os amigos. Talvez a virtude da paciência me esteja a faltar, acrescentou. A noite já desceu com o seu silêncio envolto na seda fria da escuridão. Medito nas palavras do meu amigo e compreendo-lhe o temor, apesar de não lhe faltar sanidade mental e física. Hoje é sexta-feira, o fim-de-semana ainda não chegou e já parece acabado. Um dos pássaros meus vizinhos cantou. Talvez seja esse o único imperativo que nos ordena a natureza, cantar, mesmo se a noite cai rapidamente.
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