Março atingirá amanhã o meio do mês. A natureza do tempo sempre confundiu os homens. Tentaram domesticá-lo através do calendário, mas ele sempre se mostrou avesso à vida doméstica. O tempo é um animal selvagem, uma flor silvestre. Melhor, o tempo é uma vertigem, na qual se mergulha e onde nunca se encontra equilíbrio. Um dicionário afirma, talvez sem pudor, que o tempo é sucessão de momentos em que se desenrolam acontecimentos. Penso de imediato que se nada acontecesse não haveria momentos a sucederem-se uns aos outros, logo não haveria tempo. Contudo, julgo que os acontecimentos se propuseram acontecer apenas para que o tempo exista e nos trazer à existência para logo nos varrer para o passado. Este é, na verdade, o caixote do lixo para onde são enviados os detritos das coisas que ocorrem. Ficam lá até que os homens do lixo os ponham no camião e os queimem numa incineradora de resíduos perigosos. Devia ter pensamentos mais risonhos, hoje que é domingo e as famílias saem à rua para apanhar sol e deixar as crianças espairecer, para que os adultos espaireçam também eles. A Páscoa aproxima-se e será feita de afastamentos, proibições de circular e avisos sobre os perigos que espreitam por aí. Fez-se na rua um grande silêncio, nada acontece e o tempo suspendeu a sua marcha. Os momentos foram abolidos, mas retornarão como um vírus. No friso das orquídeas, todas estão em flor, num concerto de cores que cresce para dentro dos olhos e desencadeia na consciência estranhas e silvestres melodias.
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